quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Noite de Natal

Yes, she'll tell you she's an orphan
After you meet her family...

"She talks to angels", Black Crows

O Natal está marcado até as bolas coloridas dos pinheirinhos natalinos pela união familiar. Não sei de onde veio essa tradição de reunião familiar na véspera do dia vinte e cinco de dezembro, talvez seja mais uma data, uma reunião social criada pelo comércio para que eles vendam mais. Talvez das propagandas, onde vemos personagens esboçando seus mais belos sorrisos junto a família fictícia montada por atores. Mesmo sabendo que são atores e, certamente, aqueles sorrisos não são verdadeiros, não pela ocasião natalina – eles podem estar achando graça de outras coisas naquele estúdio-, pois tudo é encenação; sinto deveras vontade de possuir um daqueles sorrisos na minha ocasião natalina. Certamente, quando criança, esboçava muitos desses sorrisos naturalmente. Isso não aconteceu na minha última situação de Natal. Passaríamos o Natal sozinhos: pai, mãe e eu. Não sei pelo qual motivo: piedade, insistência de minha mãe, mero convite ou vontade real de estarmos presentes na sua noite de Natal, fomos convidados pela minha tia. Fomos avisados, a família do marido estaria presente. Enfim, estavam realmente bem presentes. Quando cheguei a casa dela, sentei num canto da mesa, que foi armada na rua, grande o suficiente para caber o número de pessoas presentes. Não saí daquele canto até eu ir pra casa. Aliás, meus pais e eu não nos mexemos naquela noite. Ocupamos os mesmos lugares da entrada até a saída daquela casa. A família – deles – se reunia, cantava, ria, conversava, gritava, aplaudia, dançava, brincava, contava piada, assistia à televisão, fazia a noite de Natal na sala de estar. Nós na rua, esperávamos meia-noite chegar para entregar os presentes e realizar aquela burocracia natalina que consiste em entregar, mais abraço, mais beijo, mais feliz natal, mais felicidade, mais saúde, mais dinheiro, mais sucesso. Meia-noite chega, e sou incumbida da tarefa de entregar os presentes. Saio da mesa, atravesso a sala de estar com o cuidado de não atrapalhar a algazarra, pego a sacola de presentes que minha mãe deixou num canto da sala. Retirei-os sem fazer muito barulho, entreguei-os a cada destino, sem interromper a entrega de presentes deles... Nem me detive em abraçá-los, porque isso iria distraí-los naquele momento tão cobiçado. Sentei-me na ponta da mesa na rua novamente com os meus pais sentados em silêncio com os seus regalos em cima dos papéis estropiados de presente. Voltamos pra casa menos de meia hora depois. Não falamos nada durante o caminho. Eu admirava o meu presente dado pelo meu pai: a camiseta do Internacional: que não seria tão ela, se não fosse nessa noite. Mas, enquanto minha cabeça não estava na camiseta, estava na minha noite de Natal que recém tivera. Esperei o ano inteiro, vi e ouvi milhares de propagandas anunciando a chegada do Natal para passar a noite de vinte e cinco de dezembro sentada na ponta de uma mesa. Pensei na minha outra família. Minha família de Santa Catarina, parte do meu pai, é quase todos estranhos para mim. Há primos que vejo (quase) todos os anos e existem aqueles que só agora depois de dezoito anos me dei conta de que são meus primos de verdade, filhos de meus tios e não pessoas isoladas com meu sobrenome. Aos poucos eu estou entendendo a genealogia da família do meu pai. Acho que vou morrer não a conhecendo inteira. Meu Natal não acabou tendo aquele sorriso da propaganda. Não com aquela vontade aparente dos atores. Até porque aquela família não era minha mesmo, como aquela família fictícia da propaganda... Então não havia motivos pra estar esboçando sorrisos, ainda mais quando se está catando arroz caído pela toalha sentada na ponta de uma mesa montada na rua. Meu pai e minha mãe são minha família. Nossos únicos momentos juntos, momentos que seriam natalinos, de união, são em cada refeição dominical onde, na mesa, só se fala de trabalho, de contas, de dívidas, de dinheiro, de fulano, de ciclano, de beltrano, de fiado... entre meu pai e minha mãe. Na ponta da mesa montada na rua, eu ainda os tinha, tínhamos um traço em comum - que não era só o tipo sanguíneo.

2 comentários:

Fernando Locke disse...

Muito bonito, muito profundo. você revelou um lado seu, uma parte que você queria mostrar, contar, desabafar. as vezes eu tambémfico pensando nisso, nesse vazio que as vezes á ao vermos as propagandas e olhar pra vida e as coisas não serem as mesmas, mesmo sabendo que aquilo é ficcional. mas é muito bom você se dar conta disso, externar esse sentimento, e aquilo que você disse no final...bem, acho que dispensa comentários. Tá de parabéns! abraço

Anônimo disse...

clap claps dude.



faz lembrar o ano novo que passei em Itaquí, na casa dos familiares do namorado da minha mãe, na época.



foi bem por ai, pra pior em termos.